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A carta-testamento deixada por Getúlio Vargas no dia de sua morte, a 24 de agosto de 1954, vem a ser a peça retórica mais contundente que o então denominado “Pai dos Pobres” terá produzido durante toda a sua vida política. Contrapartida dramática da sua morte, seria ela a arma pela qual o polêmico e contraditório político iria tentar revolver a encenação de seus últimos dias.
Postos assim, nesses termos, parecerá ao leitor que estou reduzindo os últimos dias de Vargas a uma simples manifestação histriônica. Em termos, sim. Mas não se trata de uma simplificação. A teatralidade a que esse fato remete tem um significado que transcende seu aparente artifício.
Pensada na função, digamos, psicológica que aquela missiva poderia vir a ter sobre seus destinatários, ela não difere muito do que são, em sua grande maioria, as cartas dos suicidas. Resultado aparente de um esforço de explicitação das causas que teriam levado o autor ao ato definitivo, na verdade, ela tenta fazer cair sobre os agentes da morte o peso de seus próprios atos. É uma peça que, valendo-se desse processo de culpabilização, tenta dar um sentido e uma fecundidade ao autoaniquilamento (via de regra, o indivíduo que comete, junto com a própria morte, uma carta “aos que ficam”, deve acreditar no poder transfigurador de seu próprio ato). Pensando dessa forma, é que dá para admitir a aproximação entre esse tipo de suicídio e a cena teatral. A morte para o seu “sujeito” não é o fim, mas sim, é parte decisiva de uma vida que continua, e sobre a qual fatalmente seu ato incidirá. A vida continuará, mas será outra.
(Haquira Osakabe, A carta-testamento ou a cena final de Getúlio Vargas. In: Prezado senhor, prezada senhora: estudos sobre cartas. Org. Walnice Galvão, Nádia Battella Gotlib. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p.373 e 374)
No primeiro parágrafo, o autor, ao