Divagação sobre as ilhas
Minha ilha (e só de a imaginar já me considero seu
habitante) ficará no justo ponto de latitude e longitude que,
pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste
demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los
diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bom
viver: uma fuga relativa, e uma não muito estouvada
confraternização.
E por que nos seduz a ilha? As composições de
sombra e luz, o esmalte da relva, a cristalinidade dos regatos −
tudo isso existe fora das ilhas, não é privilégio delas. A mesma
solidão existe, com diferentes pressões, nos mais diversos
locais, inclusive os de população densa, em terra firme e longa.
Resta ainda o argumento da felicidade − “aqui eu não sou feliz”,
declara o poeta, para enaltecer, pelo contraste, a sua
Pasárgada, mas será que se procura realmente nas ilhas a
ocasião de ser feliz, ou um modo de sê-lo? E só se alcançaria
tal mercê, de índole extremamente subjetiva, no regaço de uma
ilha, e não igualmente em terra comum?
Quando penso em comprar uma ilha, nenhuma
dessas excelências me seduz mais do que as outras, nem todas
juntas constituem a razão do meu desejo. A ideia de fuga tem
sido alvo de crítica severa e indiscriminada nos últimos anos,
como se fosse ignominioso, por exemplo, fugir de um perigo, de
um sofrimento, de uma caceteação. Como se devesse o homem
consumir-se numa fogueira perene, sem carinho para com as
partes cândidas ou pueris dele mesmo. Chega-se a um ponto
em que convém fugir menos da malignidade dos homens do
que da sua bondade incandescente. Por bondade abstrata nos
tornamos atrozes. E o pensamento de salvar o mundo é dos
que acarretam as mais copiosas e inúteis carnificinas.
A ilha é, afinal de contas, o refúgio último da
liberdade, que em toda parte se busca destruir. Amemos a ilha.
(Adaptado de Carlos Drummond de Andrade, Passeios na ilha)