Decorar e revestir o corpo com o objetivo de criar
vínculos culturais e emotivos, assim como manifestar crenças e
valores da civilização, sempre foram preocupações do homem
ao longo de sua existência. O anseio em mostrar-se em sintonia
com as novas tendências é uma necessidade histórica. O
conceito de moda nasceu no final da Idade Média – período em
que a forma de vestir ganhou relevância. O declínio do
feudalismo e o desenvolvimento das cidades viram surgir uma
nova classe social – a burguesia. Enriquecidos pelo comércio,
os burgueses passaram a imitar as roupas de uso até então
exclusivo da aristocracia.
A necessidade de diferenciação fez que os aristocratas
se dedicassem a criar sempre novos trajes para distinguirem-se
na aparência e hierarquia, impulsionando os primeiros
movimentos da engrenagem: os nobres criavam e os burgueses
copiavam. Esse sistema perdurou até o século XIX, quando a
moda, pela primeira vez, enfrentou um processo de
democratização, atingindo todas as classes sociais e ampliando
o conceito aplicado até hoje – o de atender ao gosto e aos
anseios de afirmação pessoal, além de expressar idéias e
sentimentos.
O desejo de mostrar-se em sintonia com o novo ainda
funciona como uma necessidade de demonstrar algum tipo de
poder. "Após seis séculos, a moda continua servindo de recurso
para ostentar riqueza. É a maneira que o ser humano encontrou
de manifestar, por meio das roupas e acessórios, que pertence
a uma classe social que o diferencia e individualiza", afirma a
historiadora Kathia Castilho, professora de Moda
Mas o que é moda? Um historiador britânico costuma
dizer que moda significa muito mais do que a roupa em si.
Funciona como o espelho das mudanças sociais e culturais da
civilização. Acompanha, simboliza e retrata as transformações
vividas pelo homem e pela sociedade ao longo dos séculos.
Mais do que um desfile de tendências, revela uma linguagem
não-verbal. Não é assunto exclusivo das elites; ao contrário,
está muito mais próxima da vida real. No dia-a-dia das ruas, as
pessoas identificam-se pelas roupas. Conseguem expressar
idade, sexo, personalidade, classe social, gostos e até mesmo
estado de humor graças à aparência.
Para o filósofo francês Gilles Lipovetsky, autor de O
império do efêmero – uma espécie de bíblia sobre o assunto –,
a roupa perderá, com o passar do tempo, a herança adquirida
na Idade Média, de transmitir visualmente a posição social do
indivíduo, para tornar-se algo essencialmente prático. Ele aceita
a presença de tecidos inteligentes – aqueles que permitem troca
de calor, mantendo o corpo quente no frio e vice-versa, ou
evitam bactérias. Mas faz algumas ressalvas. A reflexão fará
diferença em um mundo onde a tecnologia imperará em todos
os âmbitos da sociedade. A figura do estilista não
desaparecerá, pelo contrário. Para Lipovetsky, a criatividade, as
idéias e o saber serão “artigos de luxo”. Este, aliás, um dos
jargões preferidos do mundo da moda.
(Adaptado de Mariana Kalil. Superinteressante, setembro
2003, p. 61-65)