Texto II, para responder às questões de 5 a 10.
Foi tudo muito rápido. A executiva bem-sucedida
sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um
gemido e apagou. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se
diante de um imenso portal. Ainda meio zonza, atravessou-o
e viu uma miríade de pessoas, todas vestindo cândidos
camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender
bem o que estava acontecendo, a executiva bem-sucedida
abordou um dos passantes:
— Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para o meu
escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás,
acho que fui trazida para cá por engano, porque meu
convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo
mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
— No céu.
— No céu?...
— Tipo assim... O céu, CÉU?!... Aquele com
querubins voando e coisas do gênero?
— Certamente. Aqui todos vivemos em estado de
gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências de nenhuma
poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone
celular, custou um pouco à executiva bem-sucedida admitir
que havia mesmo apitado na curva. Tentou, então, o plano B:
convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas
avançadas de negociação, de que aquela situação era
inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana, ela iria
receber o bônus anual, além de estar fortemente cotada para
assumir a posição de presidente do conselho de
administração da empresa. E foi aí que o interlocutor sugeriu:
— Talvez seja melhor você conversar com Pedro, o
síndico.
— É? E como é que eu marco uma audiência? Ele
tem secretária?
— Não, não. Basta estalar os dedos, e ele aparece.
— Assim (...)?
— Pois não?
A executiva bem-sucedida quase desaba da nuvem.
À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais
parecia um martelo, estava o próprio Pedro. Mas a executiva
havia feito um curso intensivo de approach para situações
inesperadas e reagiu rapidinho:
— Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou
uma executiva bem-sucedida e...
— Executiva... Que palavra estranha! De que século
você veio?
— Do XXI. O distinto vai me dizer que não conhece
o termo “executiva”?
— Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a executiva bem-sucedida teve um
insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser
um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão
empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático,
a executiva poderia rapidamente assumir uma posição
hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.
— Sabe, meu caro Pedro, se você me permite, eu
gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse
povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para
perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades
para dar um upgrade na produtividade sistêmica.
— É mesmo?
— Pode acreditar, porque tenho PhD em
reengenharia. Por exemplo, não vejo ninguém usando
crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e
quem faz o quê?
— Ah, não sabemos.
— Entendeu o meu ponto? Sem controle, há
dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo,
isso aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois
podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um
simples programa de targets individuais e avaliação deperformance.
— Que interessante...
— É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma
hierarquização e um organograma funcional, nada que
dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não
consigam resolver.
— !!!...???....!!!...???...!!!
— Aí, contrataríamos uma consultoria especializada
para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e
estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage,
maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do
Grande Acionista... Ele existe, certo?
— Sobre todas as coisas.
— Ótimo.
— Impressionante!
— Isso significa que podemos partir para a
implementação?
— Não. Significa que você terá um futuro brilhante...
se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque você
acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno...
Max Gehringer. In: Exame (com adaptações).