Texto I, para responder às questões de 1 a 4.
Bicicleta é meu meio de transporte preferencial
desde os treze, quatorze anos de idade. Eu ia pedalando
para a escola, para a faculdade. Sejamos honestos: não
comecei a pedalar por consciência ambiental. Nem existiam
essas coisas, acho (eu, assim como todo mundo que eu
conhecia, jogava lixo no chão, sem nenhuma cerimônia).
Comecei a pedalar porque era mais divertido. Mas o fato é
que comecei — e não larguei nunca mais.
Mais de vinte anos pedalando em São Paulo fizeram
de mim um ciclista agressivo. Aprendi a enfiar a bicicleta nas
brechinhas entre os carros, a olhar os motoristas
desafiadoramente, a espatifar eventuais retrovisores, a
levantar o dedo médio com alguma frequência.
Trânsito é formado por mim, por você, pelos nossos
carros, nossas bicicletas. Cabe a nós melhorá-lo. E o melhor
jeito de melhorar as coisas é conversando. Sem deixar
passar quando vê algo errado. Sem deixar a raiva esgotar a
razão.
Fui experimentar a ciclofaixa que a prefeitura de São
Paulo inaugurou, perto do Ibirapuera. Domingo de manhã,
dia de sol, muita gente, clima de festa, pais ensinando
filhinhos a pedalar. Dava para ver que tinha muita gente lá
que nunca tinha pedalado em São Paulo.
Mas essa história de confinar as bicicletas aos
domingos, das sete ao meio-dia, é mais para controlar os
ciclistas que para dar espaço a eles. Parece que a iniciativa
foi mais para tirar bicicletas da frente dos carros que para
estimular a gente a pedalar.
O mais triste é que essa iniciativa vai na contramão
de estimular a convivência entre carros e bikes. Separados
por uma fileira de cones, ciclistas e motoristas nem se olham
na cara.
Uma cidade pode convidar as bicicletas para ajudar
a melhorar o trânsito. Um bom jeito de abordar o tema é
dando uma olhada em exemplos internacionais.
Vejamos, por exemplo, São Francisco, nos Estados
Unidos. As ciclovias (ruas apenas para bicicleta, onde carros
não entram) e as ciclofaixas (faixas demarcadas no chão,
exclusivas para ciclistas) não são muitas. Mas nem só de
ciclovias e ciclofaixas se faz um paraíso ciclístico; em ruas
largas, carros e bicicletas compartilham o mesmo espaço.
Não há lá separação física entre carros e bicicletas, apenas
uma sinalização ostensiva para que os motoristas saibam
que aquele lugar é também para se pedalar. Motorista que
entra lá sabe que, se houver uma bicicleta à frente dele, será
preciso manter distância dela, pois ele não pode
ultrapassá-la. Dá para uma pessoa sair de qualquer lugar da
cidade e chegar a qualquer outro lugar. É isso que eu
chamo de infraestrutura ciclística. É isso que as grandes
cidades brasileiras poderiam começar a construir —
inaugurando algumas raras ciclofaixas em ruas
movimentadas, mas principalmente sinalizando o
compartilhamento em ruas com trânsito mais tranquilo.
Em Paris, onde não há ciclovias ou ciclofaixas, a
faixa de ônibus é compartilhada com as bicicletas. E os
ônibus respeitam. Mantêm distância das bicicletas e não
ultrapassam, mesmo que seja um velhinho pedalando
devagar com uma baguete debaixo do braço.
Em Bogotá, a infraestrutura é bem menor que a de
Paris. Mas o espaço destinado ao ciclista forma um grande
quadriculado, com vias que interligam toda a cidade.
E as vias são só um pedacinho da história; tem
muito mais a fazer: bicicletários nas calçadas em vias
movimentadas, vagões de metrô adaptados para bikes (um
por trem), racks de bicicleta nos ônibus e, fundamental, uma
imensa campanha de conscientização, de educação para o
trânsito. Bom marketing é mais que investir em imagem — é
efetivamente melhorar a vida das pessoas. Isso gera uma
gratidão que não tem preço. E o turismo também sai
ganhando com isso: trânsito mais humano, maior
hospitalidade.
Denis Russo Burgierman. Internet: <http://veja.abril.com.br>
(com adaptações). Acesso em 29/8/2010.