As indústrias culturais, e mais especificamente a do
cinema, criaram uma nova figura, “mágica”, absoluta-
mente moderna: a estrela. Depressa ela desempenhou
um papel importante no sucesso de massa que o cinema
alcançou. E isso continua. Mas o sistema, por muito
tempo restrito apenas à tela grande, estendeu-se
progressivamente, com o desenvolvimento das indústrias
culturais, a outros domínios, ligados primeiro aos setores
do espetáculo, da televisão, do show business. Mas
alguns sinais já demonstravam que o sistema estava
prestes a se espalhar e a invadir todos os domínios:
imagens como as de Gandhi ou Che Guevara, indo de
fotos a pôsteres, no mundo inteiro, anunciavam a plane-
tarização de um sistema que o capitalismo de hipercon-
sumo hoje vê triunfar.
O que caracteriza o star-system em uma era hiper-
moderna é, de fato, sua expansão para todos os do-
mínios. Em todo o domínio da cultura, na política, na
religião, na ciência, na arte, na imprensa, na literatura, na
filosofia, até na cozinha, tem-se uma economia do
estrelato, um mercado do nome e do renome. A própria
literatura consagra escritores no mercado internacional,
os quais negociam seus direitos por intermédio de
agentes, segundo o sistema que prevalece nas indústrias
do espetáculo. Todas as áreas da cultura valem-se de
paradas de sucesso (hit-parades), dos mais vendidos
(best-sellers), de prêmios e listas dos mais populares,
assim como de recordes de venda, de frequência e de
audiência destes últimos.
A extensão do star-system não se dá sem uma forma
de banalização ou mesmo de degradação − da figura pura
da estrela, trazendo consigo uma imagem de eternidade,
chega-se à vedete do momento, à figura fugidia da
celebridade do dia; do ícone único e insubstituível, passa-
se a uma comunidade internacional de pessoas conheci-
das, “celebrizadas”, das quais revistas especializadas di-
vulgam as fotos, contam os segredos, perseguem a in-
timidade. Da glória, própria dos homens ilustres da
Antiguidade e que era como o horizonte resplandecente
da grande cultura clássica, passou-se às estrelas − forma
ainda heroicizada pela sublimação de que eram portado-
ras − , depois, com a rapidez de duas ou três décadas de
hipermodernidade, às pessoas célebres, às personalida-
des conhecidas, às “pessoas”. Deslocamento progressivo
que não é mais que o sinal de um novo triunfo da forma-
moda, conseguindo tornar efêmeras e consumíveis as
próprias estrelas da notoriedade.
(Adap. De Gilles Lipovetsky e Jean Serroy. Uma cultura de
celebridades: a universalização do estrelato. In A cultura –
mundo: resposta a uma sociedade desorientada. Trad:
Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras,
2011, p.81 a 83)