Beijos
Esforçava-se para ser um homem moderno, mas tinha dificuldade com o protocolo. Não sabia, por exemplo, a quem beijar.
Quando via aproximar-se uma conhecida do casal, perguntava para a mulher, apreensivo, com o canto da boca:
– Essa eu beijo?
Nunca se lembrava. Para simplificar, começou a beijar todas. Conhecidas ou não. Quando lhe apresentavam uma mulher,
em vez do aperto de mão, lhe aplicava dois beijos. “Muito prazer!”
A quantidade era outro problema. Já tinha dominado os dois beijos, estava confortável com os dois beijos, quando a moda
passou a ser três. A mulher, uma vez, observou:
– Não sabia que você era tão amigo da Leonor.
– Beijo todas!
– Mas quatro beijos!
– Me passei na conta.
Era difícil. Às vezes ele partia para o terceiro beijo e a beijada não esperava. Ou então ela esperava e ele não dava, e
quando ele voltava para o terceiro ela já recuara. O problema da vida, pensava, é que a vida não é coreografada.
Aí os homens começaram a se beijar. Tudo bem. Seu lema passou a ser: se me beijarem eu beijo, mas não tomo a
iniciativa. Sua vida social complicou-se. Quando chegavam numa reunião, fazia um rápido levantamento. Essa eu beijo duas
vezes, essa três, esse me beija, esse não me beija, aquele já está me beijando três vezes... Quando, no seu grupo, as pessoas
começavam a se cumprimentar com beijos na boca, ele se desesperou.
Naquela noite, na volta de uma festa de casamento, a mulher comentou:
– Você enlouqueceu?
– Me descontrolei, pronto.
– Você beijou todo mundo.
– Todo mundo estava beijando todo mundo.
– Você beijou homem na boca.
– Espera aí. Foi por engano. E foi um homem só.
– Mas logo o padre!
Tomado de uma espécie de frenesi, depois de beijar uma fileira de conhecidos e desconhecidos, ele dobrara o padre pela
cintura e o beijara longamente, como no cinema antigo.
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. A mulher do Silva. Porto Alegre, L&PM, 1984.p.40-1)