Houve uma época em que os homens viviam bem mais
próximos do céu. E o céu, dos homens. Imagine um mundo sem
luz elétrica, esparsamente povoado, um mundo praticamente
4 - sem tecnologia, fora os arados dos campos e os metais das
ferramentas e das espadas. Nesse mundo, o céu tinha um
significado muito diferente do que tem hoje. A sobrevivência das
7 - pessoas dependia de sua regularidade e clemência.
Olhar para os céus e aprender seus ciclos era o único
modo de marcar a passagem do tempo. Logo ficou claro que o
10 - céu tinha dois temperamentos: um, bem-comportado, repetitivo,
como o nascer e o pôr do Sol a cada dia, as quatro fases da Lua
e as quatro estações do ano; outro, imprevisível, rebelde e
13 - destruidor, o senhor das tempestades e dos furacões, dos
estranhos cometas, que atravessavam lentamente os céus com
sua luz fantasmagórica, e dos eclipses totais do Sol, quando dia
16 - virava noite e as estrelas e os planetas faziam-se visíveis e o Sol
tingia-se de um negro profundo.
Os céus eram mágicos, a morada dos deuses.
19 - O significado da vida e da morte, a previsão do futuro, o destino
dos homens, tanto dos líderes quanto de seus súditos, estavam
escritos nos astros. Fenômenos celestes inesperados eram
22 - profundamente temidos. Entre eles, os eclipses eram dos piores:
se os deuses podiam apagar o Sol por alguns minutos,
certamente poderiam fazê-lo permanentemente.
Marcelo Gleiser. O céu de Ulisses. In: Folha de S.Paulo, 6/6/2008, p. 9