Dar o peixe ou ensinar a pescar?
Ainda é muito comum o argumento de que, no combate à pobreza no Brasil, não se deve dar o peixe, mas ensinar a pescar. Os resultados de pesquisas recentes, no entanto, indicam que ensinar a pescar pode ser muito pouco para uma grande massa de população que já se encontra em situação de extrema privação.
A pobreza é uma metáfora para o sofrimento humano trazido à arena pública, e pode ser definida de maneiras distintas.
Muita energia é despendida na busca de uma definição rigorosa, capaz de distinguir com clareza o sofrimento suficiente do sofrimento insuficiente para classificar alguém como pobre, mas aqui isso não é necessário: apenas para conduzir a argumentação, vamos tratar pobreza como uma situação extrema, na qual se encontram os indivíduos pertencentes a famílias que não dispõem de renda para adquirir uma cesta de alimentos e outros bens de consumo, como vestimentas e medicamentos.
Pesquisas embasadas nesse tipo de definição estimam que uma fração entre um terço e a metade da população brasileira possa ser considerada pobre. Essa é uma definição forte; e estimativas subjetivas de linhas de pobreza demonstram que boa parte da população brasileira ainda consideraria insuficientes as rendas de famílias que se encontram em níveis superiores aos usados nessas pesquisas como linha de pobreza.
Vamos assumir, também, que a existência desse tipo de pobreza é socialmente inaceitável e, portanto, que desejamos erradicá-la o quanto antes. É óbvio que o horizonte de tempo proposto define que tipos de mudança na sociedade serão necessários.
Provavelmente, um prazo mais curto exigirá políticas mais drásticas. Para manter a argumentação em torno das propostas mais debatidas, atualmente, para a erradicação da pobreza no país, vamos definir como limite razoável algo entre uma e duas décadas.
A insuficiência de recursos nas mãos de parte da população pode ser entendida como resultado ou de uma insuficiência generalizada de recursos ou de má distribuição dos recursos existentes. Logo, o combate à pobreza pode tomar dois rumos básicos: aumentar o nível de recursos per capita da sociedade ou distribuir melhor os recursos existentes. Nada impede, é claro, que as duas coisas ocorram simultaneamente.
Os caminhos para o aumento dos recursos per capita encontram-se entre dois extremos: diminuir a população ou fazer com que a economia cresça mais rápido que ela. Como as estratégias de diminuição da população existente, em um prazo razoável, beiram o absurdo, a proposta de crescimento da economia, maior do que a do crescimento da população, é geralmente muito mais debatida no Brasil.
Dadas as dificuldades que se colocam para o crescimento acelerado de qualquer economia, durante muito tempo se sugeriu que o problema da pobreza no Brasil poderia ser enfrentado pela via do controle de natalidade. Embora esse argumento, ainda hoje, encontre algum eco fora dos meios acadêmicos, todas as evidências empíricas disponíveis rejeitam a viabilidade da erradicação da pobreza por meio da redução no ritmo de reprodução da população.
Marcelo Medeiros. In: UnB Revista, dez./2003-mar./2004, p. 16-9 (com adaptações).