TEXTO I
A SUBSTÂNCIA DO AMOR
Na definição do escritor francês Victor Hugo (1802-1885), ele
é “pão maravilhoso que um deus divide e multiplica”. Para
James Joyce (1882-1941), um dos maiores gênios da litera-
tura moderna, “tudo é incerto neste mundo, exceto ele”. Sob
a ótica da “dama do suspense” Agatha Christie (1890-1976),
“diferente de qualquer outra coisa no mundo [...], ele ousa to-
das as coisas e extermina sem remorso tudo o que ficar no
seu caminho”. Na frase do para-choque de caminhão, ele é
simplesmente imortal. Não importa o momento histórico,
tampouco o prestígio literário de quem o decanta, o amor de
mãe é sempre celebrado como o mais sublime dos senti-
mentos. Mas o que explica afeto tão singular?
Com certeza não se trata de uma invenção de homens para
subjugar o sexo feminino, como defendeu a escritora Elisa-
beth Badinter no livro Um Amor Conquistado: o Mito do
Amor Materno. Para além de todos os fatores culturais que o
refinaram, o amor de mãe é uma questão bioquímica, movi-
da a oxitocina. Produzida no cérebro, essa substância esta-
va associada, até vinte anos atrás, a dois importantes pro-
cessos fisiológicos envolvidos na maternidade – as contra-
ções uterinas no momento do parto e a liberação de leite du-
rante a amamentação.
Hoje, já se sabe que a oxitocina também atua no cérebro
materno de modo a fortalecer os laços de carinho com o fi-
lho, os cuidados básicos e de proteção. Basta uma mulher
olhar para o seu rebento e o cérebro dela se enche de oxito-
cina. Se houver contato físico entre os dois, os níveis da
substância vão às alturas. Diz o neurocientista Renato Sab-
babatini, professor da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp): “Trata-se de uma questão evolutiva. O bebê de-
pende muito da mãe para sobreviver, e a oxitocina é funda-
mental para fazer com que a mulher se dedique aos cuida-
dos maternos”. Com os avanços nos estudos da neuroquími-
ca e o progresso dos exames de imagem, capazes de flagrar
o cérebro em pleno funcionamento, os últimos estudos sobre
o tema têm revelado que a importância da oxitocina vai mui-
to além do berçário. As relações de amizade e do amor ro-
mântico também são alimentadas por oxitocina. Em mulhe-
res e homens, ela é a substância do amor em todas as suas
formas.
Produzida no hipotálamo, a molécula da oxitocina ativa as
áreas relacionadas à afetividade, ajudando a fortalecer os
vínculos de afeição. Ela está, ainda, associada à produção
de dopamina, o neurotransmissor responsável pelo controle
do sistema de recompensa. Quanto maior a produção de oxi-
tocina, mais intensa será a síntese de dopamina. Ou seja,
maior será a vontade de repetir determinada experiência. No
caso do sexo, imediatamente depois do orgasmo, os níveis
de oxitocina sobem, em média, 40% – o que favorece a co-
nexão emocional entre os parceiros. Se ele vai ligar ou não
no dia seguinte, já é outra história.
MAGALHÃES, Naiara. A substância do amor. Veja. Abril: São Paulo.
19 mai. 2010, p. 134. [Excerto]