“Quando a gente não sabe resolver um problema, não
é preciso lutar, nem insistir, cansar-se bobamente. Basta
entregá-lo à alma, ela cuida de tudo”. Fiquei devendo à
4 - Vicentina Correias essa pérola. Foi o Soledade que me
ensinou, ela disse. Engraçado, foi exatamente o que fiz, não
por virtude, mas por fraqueza, quando parei de falar e pensar
7 - no dente. Ainda assim deu certo. Não fui ao Clemente e tenho
levado uma vida normal com meu molar de parede derruída,
faz uns catorze meses já. Até o esqueço. Vicentina disse que
10 - quando respondeu ao Soledade já haver perdoado a mãe, ele
insistiu: não perdoou, não. Mas, se eu mesma não sei disso,
como vou perdoar de novo, se acho que já perdoei, ela falou.
13 - “Entregue para sua alma, ela resolve para você”. Como ele
disse, aconteceu. Da última vez que visitei minha mãe,
conversei com ela naturalmente, sem nenhum esforço, pela
16 - primeira vez em muitos anos. Minha alma perdoou, resolveu
o assunto. Começo a achar ser este o processo ideal e
maravilhoso que procuro para comer menos. Vou também
19 - entregar o assunto à minha alma e continuar comendo à beça.
Um dia descobrirei estar comendo apenas o necessário. Tenho
fé absoluta nesse processo que o Soledade ensinou à Correias.
22 - Ele, sim, é um místico. Contudo, a Correias tem mais coisas
a perdoar, seu sofrimento é visível, a canga no seu pescoço.
Regimes para emagrecer e regras conventuais? Pois quero é
25 - comer um prato fundo de doces e em horas não canônicas
rezar. Qualquer dia destes visito o Soledade.
Adélia Prado. O homem da mão-seca. São Paulo:
Siciliano, 2.ª ed., 1994, p. 17-8 (com adaptações).