LÍNGUA PORTUGUESA
Ensaio sobre a transparência
Fala-se muito em transparência hoje no Brasil. No mundo
corporativo, no cenário político e até nas relações pessoais
pede-se, cobra-se transparência. Mas o fato é que
transparência deixou de ser um processo de observação
cristalina para assumir um discurso de políticas de
averiguação de custos engessadas que pouco ou quase nada
retratam as necessidades de populações distintas.
E, em nome de um cenário confuso, isso vem ocultando,
na saúde, dados positivos das organizações sociais e vem
servindo como uma bandeira jurídica que, no mínimo,
mereceria um melhor entendimento, pois as leis, em tese, são
criadas para aprimorar a dinâmica do entendimento social, e
não para alimentar uma indústria que se afasta
progressivamente das necessidades dos cidadãos.
Transparência em saúde é, sim, o custo de cada processo.
Mas é, sobretudo, o entendimento pleno de como funciona,
como atende, e como beneficia o cidadão. Alguém com justa
e adequada formação tem questionado esses valores da
assim chamada transparência?
O SUS é uma referência global em termos de eqüidade
social, mas ainda deixa muito a desejar nos quesitos
integralidade, universalidade e mesmo qualidade.
Conceitualmente, apresenta inúmeros atributos, mas, na
prática, ainda merece grandes aprimoramentos. A política de
Estado tem evoluído no sentido de encontrar respostas a tais
necessidades.
Quando São Paulo cria organizações sociais e o governo
federal ecoa com propostas com fundações é porque, dentro
dos grupos técnicos, com um certo e compreensível tempero
político, existe a percepção de que algo tem que ser feito a
mais para de fato levar a saúde a toda a população.
Discute-se sua natureza jurídica, mas não a inserção da
excelência e dos benefícios do modelo de gestão de algumas
entidades privadas na prestação dos serviços. Isso em nada
nega os princípios propostos pelo SUS, que preconiza o direito
de todos e o dever do Estado de garantir a saúde, mas não
explicita quem deve prestá-la.
Imaginar que possamos transformar o sistema em função
das necessidades da saúde, deixando de reconhecer que há
outras formas de garantir a transparência, significa
menosprezar o conhecimento da sociedade.
A inserção da iniciativa privada em modelos mais
avançados que o nosso e de maior justiça social não é novo. A
Espanha o faz há muitos anos, como acontece em outros
países europeus, onde os indicadores de qualidade de vida e
de desempenho são superiores aos nossos e aos dos EUA.
Isso tem sua lógica, na medida em que essas sociedades
se preocupam também com os custos, mas se acostumaram
a lidar com dados sobre os quais quase nada é debatido por
parte de nossos mandatários da esfera política. A esfera
técnica se esforça e demonstra esse conhecimento, mas, no
âmbito político, isso em nada parece afetar a consciência dos
que se candidatam aos cargos majoritários. Para eles, trata-se
da terceirização da saúde, e não de um debate que se pauta
pelo entendimento daquilo que pode ser mais efetivo e
eficiente.
Ocorre, portanto, um afastamento das necessidades reais
com foco no pior dos valores, que é baseado no dinheiro.
E partindo de quem, a rigor, defende a saúde como direito
social.
O grau de complexidade de uma organização de saúde é
enorme e só tende a crescer, por conta de fatores como
envelhecimento da população, novas tecnologias e o papel da
indústria farmacêutica. Quanto mais complexo um sistema,
maior o número de conflitos. Imagine um Estado pesado, com
natureza licitatória lenta, com rigidez de contratações de
pessoal e, portanto, sem vocação para lidar com essas
demandas, querendo atuar com um mínimo de qualidade.
Aqueles que acreditam na capacidade do Estado de
exercer esse papel fogem por completo do conhecimento dos
mínimos quesitos de qualidade em saúde, em que o tempo e
a agilidade são absolutamente vitais.
Imaginar que a saúde pode esperar no dia-a-dia ou que as
contratações podem se dar ao luxo de aguardar pela
obsolescência quase imediata de produtos fragmentados é o
mesmo que premiar a incompetência que limita a capacidade
criativa de quem deve a rigor ser monitorado dentro de
indicadores de eficiência.
O Brasil é um país enorme, com grandes
heterogeneidades. Seus habitantes têm necessidades
singulares. Aqueles com aptidão a ajudá-los, se não
estimulados por cenários competitivos, estarão fadados a não
encontrar motivação para o exercício de suas funções.
Albert Einstein defendia que, em termos de justiça e
verdade, não existiria diferença entre pequenos e grandes
problemas: “Para assuntos relativos ao tratamento das
pessoas, todos são importantes.” Portanto, trata-se de ver
aquilo que é melhor ao cidadão.
E, aí, basta a leitura dos indicadores.
Essa é a verdadeira transparência.
(Claudio Luiz Lottemberg. Folha de São Paulo, 6 de outubro de 2008.)