AS BATALHAS DA ABOLIÇÃO.
Pode-se dizer que as batalhas históricas, ou os eventos em geral que envolvem conflitos, são travados pelo menos duas vezes. A primeira quando se verificam na forma de evento, a segunda quando se trata de estabelecer sua versão histórica ou sua memória. A primeira é uma batalha histórica, a Segunda um combate historiográfico. E não história há como dizer que a primeira vez seja mais importante do que a Segunda. Em se tratando de acontecimentos que marcam profundamente a História, como a Revolução
Francesa, seria mesmo mais adequado dizer que são combates que continuam até hoje, em que não se distingue a História da Historiografia. Algo semelhante, embora em ponto menor, acontece com a abolição da escravidão. O combate histórico feriu-se há cem anos, mas ele se prolonga até hoje nas batalhas acadêmicas e políticas pela caracterização da escravidão e pela definição das forças que levaram a sua extinção. Não surpreenda que assim seja, porque desta definição depende em parte o estabelecimento das credenciais dos atores que hoje estão envolvidos na luta dos negros pelo lugar na sociedade brasileira que nem a abolição, nem os cem anos que a seguiram lhes propiciaram. A batalha de hoje se dá em duas frentes principais, a frente acadêmica e a frente do movimento pelo fim das discriminações raciais. Ambas são políticas, mas a primeira o é de forma mediatizada, isto é, ela passa pelas regras de argumentação histórica, sobretudo pelo necessidade de produzir evidências. Embora seguindo regras distintas, as duas partes são importantes e se alimentam mutuamente ou, pelo menos, deveriam fazê-lo.