“A miséria tem um componente inercial. O problema não foi criado por este ou aquele governo, mas ao longo da história do País, e se avoluma ano a ano. Entre as famílias mais pobres, registra-se hoje uma taxa de natalidade de cinco filhos, maior que a média entre as faixas mais altas da pirâmide social. Perpetua-se assim a pobreza, que cresce num ritmo maior que a capacidade de geração de riqueza e empregos da economia. O primeiro contingente de miseráveis surgidos no país foram os escravos. Mesmo depois da Abolição, eles continuaram vivendo numa situação de pobreza extrema. Essa herança reflete-se até hoje em estatísticas como as taxas de analfabetismo e de mortalidade infantil, proporcionalmente maiores na população negra. Nos anos 30, o País começou a dar seus primeiros passos para se tornar mais urbano e industrial. O então presidente Getúlio Vargas promoveu mudanças significativas nas relações trabalhistas, o que certamente beneficiou muita gente, mas foi um desenvolvimento seletivo. Quem tinha emprego e estava nas cidades passou a ter a profissão regulamentada e a ganhar 13º salário, entre outros benefícios. Melhorou de vida. Os que na época estavam fora do mercado de trabalho continuaram na pobreza. A partir dos anos 50, durante o governo de Juscelino Kubitschek, o Brasil entrou num processo de industrialização convulsiva, simbolizado pelo slogan "Cinqüenta anos em cinco". Financiadas pelo Estado, surgiram a malha rodoviária, a indústria automobilística, diversas universidades e as grandes usinas de energia. De 48o PIB mundial na década de 60, o País saltou para a 8a posição, vinte anos depois. O progresso trouxe alguns efeitos colaterais: aumentou as diferenças regionais entre o Sudeste, onde se concentraram os investimentos da indústria, e o Nordeste, que permaneceu atrelado a uma economia rural atrasada sujeita a intempéries como a seca. As faixas mais altas da pirâmide social foram as mais beneficiadas por esse processo de desenvolvimento, que teve seu auge na década de 70. Sua renda cresceu num ritmo mais acentuado que o das camadas pobres. Foi sempre assim. Com uma singela exceção: o período inicial do Plano Real, quando milhões de pobres se beneficiaram do fim do imposto inflacionário e passaram a ter renda mínima para a sobrevivência”.