Em fins do ano passado foi aprovada na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado a denominada Emenda Cons-
titucional da Felicidade, que introduz no artigo 6o
da Consti-
tuição Federal, relativo aos direitos sociais, frase com a menção
de que são essenciais à busca da felicidade.
Pondera-se também que a busca individual pela feli-
cidade pressupõe a observância da felicidade coletiva. Há
felicidade coletiva quando são adequadamente observados os
itens que tornam mais feliz a sociedade. E a sociedade será
mais feliz se todos tiverem acesso aos básicos serviços pú-
blicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer,
entre outros, ou seja, justamente os direitos sociais essenciais
para que se propicie aos indivíduos a busca da felicidade.
Pensa-se possível obter a felicidade a golpes de lei, em
quase ingênuo entusiasmo, ao imaginar que, por dizer a Cons-
tituição serem os direitos sociais essenciais à busca da felici-
dade, se vai, então, forçar os entes públicos a garantir con-
dições mínimas de vida para, ao mesmo tempo, humanizar a
Constituição.
A menção à felicidade era própria da concepção de
mundo do Iluminismo, quando a deusa razão assomava ao
Pantheon e a consagração dos direitos de liberdade e de igual-
dade dos homens levava à crença na contínua evolução da
sociedade para a conquista da felicidade plena sobre a Terra.
Trazer para os dias atuais, depois de todos os percalços que a
História produziu para os direitos humanos, a busca da felici-
dade como fim do Estado de Direito é um anacronismo patente,
sendo inaceitável hoje a inclusão de convicções apenas
compreensíveis no irrepetível contexto ideológico do Iluminismo.
Confunde-se nessas proposições bem-intencionadas,
politicamente corretas, o bem-estar social com a felicidade. A
educação, a segurança, a saúde, o lazer, a moradia e outros
mais são considerados direitos fundamentais de cunho social
pela Constituição exatamente por serem essenciais ao bem-
estar da população no seu todo. A satisfação desses direitos
constitui prestação obrigatória do Estado, visando dar à socie-
dade bem-estar, sendo desnecessária, portanto, a menção de
que são meios essenciais à busca da felicidade para se gerar a
pretensão legítima ao seu atendimento.
O povo pode ter intensa alegria, por exemplo, ao se
ganhar a Copa do Mundo de Futebol, mas não há felicidade
coletiva, e sim bem-estar coletivo. A felicidade é um sentimento
individual tão efêmero como variável, a depender dos valores de
cada pessoa. Em nossa época consumista, a felicidade pode
ser vista como a satisfação dos desejos, muitos ditados pela
moda ou pelas celebridades. Ter orgulho, ter sucesso profis-
sional podem trazer felicidade, passível de ser desfeita por um
desastre, por uma doença.
Assim, os direitos sociais são condições para o bem-
estar, mas nada têm a ver com a busca da felicidade. Sua rea-
lização pode impedir de ser infeliz, mas não constitui, de forma
alguma, dado essencial para ser feliz.
(Miguel Reale Júnior. O Estado de S. Paulo, A2, Espaço Aber-
to, 5 de fevereiro de 2011, com adaptações)