LÍNGUA PORTUGUESA
A CARTA AUTOMÁTICA
Mais de cem anos depois do surgimento do tele-
fone, o começo dos anos 90 nos oferece um meio de
comunicação que, para muitos, resgata um pouco do
romantismo da carta. A Internet não usa papel colori-
do e perfumado, e sequer precisa de selos, mas, para
muitos, fez voltar à moda o charme da comunicação
por escrito. E, se o provedor não estiver com proble-
mas, faz isso com o imediatismo do telefone. A rede
também foi uma invenção que levou algum tempo
para cair no gosto do público. Criada em 1993 para
uso doméstico, há muito ela já era usada por cien-
tistas universitários que queriam trocar informações.
Mas, só após a difusão do computador doméstico,
realizada efetivamente há uns quatro ou cinco anos,
que o público pôde descobrir sua utilidade.
Em The victorian internet, Tom Standage analisa
o impacto da criação do telégrafo (surgido em 1837).
Uma nova tecnologia de comunicação permitia às pessoas
se comunicarem quase que instantaneamente, estando à lon-
ga distância (...) Isto revolucionou o mundo dos negócios.(...)
Romances floresceram sob impacto do telégrafo. Códigos se-
cretos foram inventados por alguns usuários e desvendados
por outros. (...) O governo e as leis tentaram controlar o novo
meio e falharam. (...) Enquanto isto, pelos cabos, uma sub-
cultura tecnológica com seus usos e vocabulário próprio se
estabelecia.
Igual impacto teve a Internet. Antes do telégrafo,
batizado de “a autoestrada do pensamento”, o ritmo
de vida era superlento. As pessoas saíam para viajar
de navio e não se ouviam notícias delas durante anos.
Os países que quisessem saber se haviam ou não
ganho determinada batalha esperavam meses pelos
mensageiros, enviados no lombo dos cavalos. Neste
mundo em que reinava a Rainha Vitória (1819-1901),
o telégrafo provocou a maior revolução das comuni-
cações desde o aparecimento da imprensa. A Internet
não chegou a tanto. Mas nada encurta tanto distân-
cias como entrar num chat com alguém que esteja na
Noruega, por exemplo. Se o telégrafo era “a autoes-
trada do pensamento”, talvez a rede possa ser a “su-
perautoestrada”. Dos pensamentos e das abobrinhas.
As tecnologias de conversação realmente mudam
as conversas. Apesar de ser de fundamental utilida-
de para o trabalho e a pesquisa, o correio feito pela
rede permite um tipo de conversa diferente daquela
que ocorre por telefone. Talvez um dia, no futuro, pes-
quisadores analisem as razões pelas quais a rede,
rápida e imediata e sem o vivo colorido identificador
da voz, se presta a bate-papos (via e-mails, chats,
comunicadores instantâneos) até mais informais do
que os que fazemos por telefone.
CAMARGO, Maria Sílvia. 24 dias por hora. Rio de Janeiro: Rocco,
2000. p. 135-137. Adaptado.