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O abalo dos muros
No próximo ano, completam-se 20 anos da queda do Muro
de Berlim, símbolo da bipolaridade do mundo dividido em dois
sistemas: capitalista e socialista. Agora assistimos ao declínio
de Wall Street (rua do Muro), na qual se concentram as sedes
dos maiores bancos e instituições financeiras.
O muro que dá nome à rua de Nova York foi erguido pelos
holandeses em 1652 e derrubado pelos ingleses em 1699. Nova
Amsterdã deu lugar a Nova York.
O apocalipse ideológico no Leste Europeu, jamais previsto
pelos analistas, fortaleceu a idéia de que fora do capitalismo não
há salvação. Agora, a crise do sistema financeiro derruba o
dogma da imaculada concepção do livre mercado como única
panacéia para o bom andamento da economia.
Ainda não é o fim do capitalismo, mas talvez seja a agonia
do caráter neoliberal que hipertrofiou o sistema financeiro.
Acumular fortunas tornou-se mais importante que produzir bens
e serviços. A bolha especulativa inflou e, súbito, estourou.
Repete-se, contudo, a velha receita: após privatizar os
ganhos, o sistema socializa os prejuízos. Desmorona a cantilena
do “menos Estado e mais iniciativa privada”. Na hora da crise,
apela-se ao Estado como bóia de salvamento na forma de US$
700 bilhões (5% do PIB dos EUA ou o custo de todo o petróleo
consumido em um ano naquele país) a serem injetados para
anabolizar o sistema financeiro.
O programa Bolsa-Fartura de Bush reúne quantia suficiente
para erradicar a fome no mundo. Mas quem se preocupa com
os pobres? Devido ao aumento dos preços dos alimentos, nos
últimos 12 meses, o número de famintos crônicos subiu de 854
milhões para 950 milhões, segundo Jacques Diouf, diretor-geral
da FAO (Fundo das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação).
Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é
óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11
milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à
construção civil. Os fundos de pensão, descapitalizados, não
terão como honrar os direitos de milhões de aposentados,
sobretudo de quem investiu em previdência privada.
A restrição do crédito tende a inibir a produção e o
consumo. Os bancos de investimentos colocam as barbas de
molho. Os impostos sofrerão aumentos. O mercado ficará sob
regime de liberdade vigiada: vale agora o modelo chinês de
controle político da economia, e não mais o controle da política
pela economia, como ocorre no neoliberalismo.
Em 1967, J.K. Galbraith chamava a atenção para a crise do
caráter industrial do capitalismo. Nomes como Ford, Rockefeller,
Carnegie ou Guggenheim, exemplos de empreendedores,
desapareciam do cenário econômico para dar lugar à ampla rede
de acionistas anônimos. O valor da empresa deslocava-se do
parque industrial para a Bolsa de Valores.
Na década seguinte, Daniel Bell alertaria para a íntima
associação entre informação e especulação e apontaria as
contradições culturais do capitalismo: o ascetismo
(= acumulação) em choque com o estímulo consumista; os
valores da modernidade destronados pelo caráter iconoclasta
das inovações científicas e tecnológicas; lei e ética em
antagonismo quanto mais o mercado se arvora em árbitro das
relações econômicas e sociais.
Se a queda do Muro de Berlim trouxe ao Leste Europeu mais
liberdade e menos justiça, introduzindo desigualdades gritantes,
o abalo de Wall Street obriga o capitalismo a se repensar. O
cassino global torna o mundo mais feliz? Óbvio que não. O
fracasso do socialismo real significa vitória do capitalismo virtual
(real para apenas um terço da humanidade)? Também não.
Não se mede o fracasso do capitalismo por suas crises
financeiras, e sim pela exclusão – de acesso a bens essenciais
de consumo e direitos de cidadania, como alimentação, saúde e
educação – de dois terços da humanidade. São 4 bilhões de
pessoas que, segundo a ONU, vivem entre a miséria e a
pobreza, com renda diária inferior a US$ 2.
Há, sim, que buscar, com urgência, um outro mundo
possível, economicamente justo, politicamente democrático e
ecologicamente sustentável.
(Frei Betto. Folha de São Paulo, 6 de outubro de 2008.)
“Quem pagará a fatura do Proer usamericano? A resposta é óbvia: o contribuinte. Prevê-se o desemprego imediato de 11 milhões de pessoas vinculadas ao mercado de capitais e à construção civil.” (L.32-35)
A respeito do trecho acima, analise os itens a seguir:
I. O vocábulo usamericano é um neologismo.
II. O vocábulo usamericano poderia ser substituído por “estadunidense”.
III. O sujeito de “pagará” é Quem.
Assinale: